17 de outubro de 2010

Mister Joe


Há dois anos, aluguei uma casa no norte do Portugal, numa pequena aldeia isolada entre montes.
Um velho senhor barbudo apanhava o sol em frente da sua porta e convidou-me a entrar.
Ele queria falar comigo, mostrar-me coisas.
Temia o que iria encontrar lá dentro mas quis ser amável e bem educada.
Entrei.
A casa estava repleta de milhares de conchas. Tropicais, incríveis, enormes, multicoloridas.
Nas mesas, no chão, nas prateleiras, sobre as cadeiras, no rebordo das janelas, entre livros, dentro de jarras de vidro: conchas.
Na cozinha, no quarto, na sala, usadas como pratos e recipientes, em cima dos armários, no aro das portas, sobre os bancos: conchas.
E nas paredes : velhas fotografias de raparigas polinésias, nuas, molhadas, lindas. Cada uma com uma concha na mão.
Era um antigo mergulhador de conchas, tinha viajado o mundo inteiro, tinhas histórias sem fim, deu-me conchas, mostrou-me as suas preferidas, abriu caixas ainda fechadas cheias de conchas e de pérolas, ofereceu-me a beber, contou-me parte da sua história, disse-me que era sozinho, que já não tinha ninguém, aceitou um cigarro, aceitou que eu lhe tirasse uma fotografia.
Esqueci-me de perguntar o seu nome. Na minha imaginação, chamei-o Mister Joe.

Um ano depois, aluguei novamente a mesma casa. Reparei que a casa dele estava fechada.
Perguntei aos vizinhos.
Ele tinha sido enterrado na véspera da minha chegada.
Perguntei pelas conchas: os seus filhos já tinham esvaziado a casa.
Perguntei como se chamava: o nome dele era João.
Contaram-me a sua história. Podia conta-la aqui no blog mas creio que ele não gostaria. Desencontros, traições, amores perdidos, viagens, regressos, alguma violência e, no  fim, solidão e álcool.  
Veio esquecer a vida nessa aldeia, onde vivia entre as suas conchas e suas recordações de mergulho em águas tropicais.
Tinha tuberculose e morreu sozinho.

Apetece-me acreditar que as conchas que me ofereceu foram apanhadas por ele.
Esta deve ser a sua última fotografia, se não a única.

Por Perrine

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