31 de dezembro de 2010

"Tripé-Coxo" - Fica de cama

O programa foi gravado no ultimo fim-de-semana e apresenta, como sempre, uma super-extraordinária-fabulosa qualidade. Por falta de tempo não pode ser montado, será lançado na próxima edição de Recreio Inédito.

Boas entradas e um fantástico ano.


Por: Cajó Lino e Paco

23 de dezembro de 2010

Organização de Lisboa e Porto enquanto cidades e comparações com outros exemplos europeus

Uma coisa que sempre me fez confusão ao viajar por diversos países da Europa é o facto de Lisboa ter tão pouca gente em relação a outras cidades, muitas vezes cidades menos conhecidas ou mediáticas. Sei que se cultiva entre nós e desde criança o discurso do país pequenino, do país de caca que em todos os campos tem de perder por comparação com os outros países da Europa, no entanto quando visito cidades noutros países não é essa a realidade que encontro. Poucas cidades se comparam a Lisboa em termos de tamanho e numa série de características típicas de grande cidade (oferta cultural, turística, etc…).
 Esta sensação aumentou há pouco tempo, aquando da nossa derrotada candidatura ibérica à organização dos mundiais de futebol de 2018 e 2022. No livro da nossa candidatura existia uma lista com informação sobre as cidades-sede na qual Lisboa com os seus 564 mil habitantes aparecia como a 7ª maior cidade da península ibérica atrás de Madrid (3,2 milhões), Barcelona (1,6 milhões), Valência (807 mil), Sevilha (700 mil) e até cidades como Saragoça (666 mil) e Málaga (566 mil). O Porto, com 216 mil habitantes, aparece como a 15ª maior cidade das 18 em causa, apenas à frente Santander, San Sebastian e A Corunha! (Sim até Murcia diz que é maior que o Porto) Conhecendo eu Lisboa, o Porto e pelo menos Madrid, Barcelona e Sevilha (as outras bastou ver o Google maps para confirmar o seu tamanho) alguma coisa tinha de estar errada. Nem Madrid ou Barcelona são assim tão maiores que Lisboa, nem Sevilha é, de longe maior que a nossa capital.
Uma breve comparação com a população de outras cidades europeias foi o suficiente para verificar que um conjunto mesmo muito grande de cidades, que Lisboa e Porto “metem num chinelo” (com todo o respeito por elas), que têm mais população que as nossas duas grandes cidades. E no caso das cidades que são efectivamente equivalentes ou maiores a diferença das populações residentes em relação a Lisboa e Porto é anormal.
Dir-me-ão, e com razão que “sim, mas as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto são grandes e comparáveis às de outros país”. De facto sim, mas na grande maioria das metrópoles europeias cerca de 70-80% da população vive dentro dos limites da cidade prinicipal. Nas metrópoles portuguesas a diferença é de 564mil para 2,8 milhões em Lisboa (quase 1/6 da população) e de 216 mil para 1,6 milhões no Porto (1/8 da população). Sabendo que Portugal não adoptou modelos raros de crescimento urbano das suas metrópoles, tendo estas crescido, grosso modo, através dos mesmos mecanismos e fenómenos urbanos do resto da Europa continuei a estranhar tais diferenças.
Decidi então recorrer aos factos, e perceber afinal em que moldes é que Málaga é maior que Lisboa e Gijón maior que o Porto.
A resposta está nos limites administrativos. Apesar de esta ser uma questão muito pouco estabilizada (cada cidade tem a sua maneira de se organizar administrativamente e praticamente seu modelo) é possível concluir a grande maioria das cidades grandes europeias  tem os seus limites administrativos relativamente adaptados à sua dimensão real, ao seu contínuo urbano. Sendo assim temos, entre as 20 maiores cidades da União, por exemplo Londres com 7,556 milhões hab (Área: 1579 km2), Berlim com 3,448 milhões hab (Área: 891 km2), Roma com 2,473 milhões hab (Área: 1285 km2), Bucareste com 1,918 milhões hab (Área: 228 km2) ou cidades como Hamburgo (1,774 milhões hab em 755 km2) e Budapeste (com 1,712 milhões hab em 525 km2).
Os 564 mil habitantes de Lisboa correspondem aos limites administrativos do Concelho de Lisboa que tem apenas 83 km2! As razão para esta área tão pequena em comparação com outras cidades europeias é o facto de os actuais limites administrativos da Área metropolitana de Lisboa terem sido definidos, praticamente todos, ainda no século XIX. Os de Lisboa foram definidos em 1886 adaptando-se à então recém construída estrada de circunvalação, e absorvendo os antigos municípios de Belém e Olivais. Havia à época a consciência de que a cidade estava num processo de crescimento demográfico e que era preciso áreas de expansão da cidade.
124 anos depois as nossas cidades já não têm nada a haver com as daquele tempo e Lisboa é, hoje em dia, uma metrópole de 2,8 milhões de habitantes numa área de 2962 km2. No entanto a divisão administrativa ainda é praticamente a mesma do séc. XIX, e a área metropolitana está dividida em 18 concelhos independentes entre si sendo administrada de 18 maneiras diferentes. A falta de poder regional ou de uma junta metropolitana com poder efectivo faz com que não se cumpra qualquer tipo de estratégia regional ou metropolitana e esta cidade gerida de 18 maneiras diferentes tem como consequência a ausência de um modelo organizado e perda de competitividade de Lisboa.
Hoje em dia o município de Lisboa estuda uma reforma da sua organização interna dando mais poder às freguesias enquanto organismos de administração local. Esta lógica é a mesma que levou à criação dos concelhos da Amadora em 1979 (por desanexação de Oeiras) e Odivelas em 1998 (por desanexação do concelho de Loures), dois concelhos pequeníssimos (com 20 km2 cada um). Estas medidas não deviam limitar-se ao concelho de Lisboa ou à criação de ainda mais concelhos independentes dos outros. São medidas avulso e que não respondem realmente ao problema da divisão administrativa.
Pelo menos em Lisboa e Porto o modelo de administração territorial tem de ser revisto uma vez que está completamente obsoleto e não corresponde às cidades que temos hoje. A meu ver tem de haver um modelo baseado em três escalas, a escala regional ou metropolitana, a escala da cidade e uma escala local.
As unidades territoriais definidas pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML[1]) aproximam-se daquilo que é a realidade urbana actual e poderiam servir de base a uma nova divisão administrativa da AML na qual Lisboa anexa partes dos municípios envolventes (se o fizeram no séc. XIX porque é que não o conseguimos fazer hoje?) passando a corresponder a um território de 581 km2 e 1, 854 milhões de habitantes (população de 2001, para 2021 estão estimados 2 milhões de habitantes), que representa muito melhor aquilo que é hoje o contínuo urbano de Lisboa e é comparável em área e população às outras cidades europeias.
No Porto a situação é tão absurda (os 216 mil habitantes do Porto correspondem ao município do Porto que tem apenas 41 km2) que já se discute hoje em dia, com alguma visibilidade, a hipótese de fusão dos municípios do Porto, Gaia e Matosinhos, passando os novos limites a corresponder a 271 km2 e 697 mil habitantes.  
Claro que não podemos mudar só para fazer como os outros ou aparecer no ranking das maiores cidades, se bem que, em termos de marketing urbano ter efectivamente uma cidade que é uma das 10-15 maiores da união europeia e ela não aparecer nem como uma das 30 maiores é, a meu ver, uma tremenda burrice. Se ainda por cima o modelo actual de administração do território não funciona, está na altura de mudar.
Terminando o raciocínio e voltando às cidades ibéricas, se aplicarmos critérios equivalentes (áreas que correspondem aos limites das cidades e das  respectivas regiões metropolitanas) Madrid tem 3,2 milhões de pessoas numa cidade de 607 km2 e 5,9 milhões de pessoas na sua área metropolitana de 8028 km2 (corresponde à região autónoma), Barcelona tem 3,2 milhões de habitantes em 636 km2 e 5,3 milhões de habitantes numa metrópole de 7733 km2 (Barcelona parece viver um caso semelhante ao de Lisboa já que em termos oficiais conta com tem 1,595 milhões de pessoas numa cidade de 101km2 e uma área metropolitana de apenas 636km2 e 3,2 milhões de habitantes), Lisboa com 1,854 em 581 km2 e 3,4 milhões de pessoas em 11633 km2 (correspondente à região de Lisboa e Vale do Tejo), Valência com 797mil hab em 134km2 de cidade e uma metrópole de 2,4 milhões de habitantes em 10563 km2, Sevilha com 703mil habitantes em 141 km2 e uma província de 1,8 milhões de pessoas numa área de 14001 km2 e o Porto com 697mil habitantes em 271 km2 mas 1,7 milhões de pessoas nos apenas 2089 km2 correspondentes à Área Metropolitana do Porto (não existe outra entidade que se possa comparar, já que a região norte é demasiado grande com os seus 21283km2). Outras cidades como Saragoça, Málaga, Múrcia e Gijon têm áreas de 1051km2, 395km2, 881km2 e 181km2, respectivamente, e não têm uma expressão metropolitana.[2]
 
Por Miguel Rocha


[1] PROT AML 2009 páginas 86-87
[2] Fontes: wikipedia e ine.pt

13 de dezembro de 2010

Poema Natalício por João da Ega

Há sempre uma rapariga,
A tal que temos em mente,
Conhecida ou amiga,
Atracção nova ou antiga,
Não se fica indiferente!

E quando passa a tal miúda
No seu jeito divinal
Logo a mente a desnuda
E o nosso corpo a saúda
Com uma parte especial!

Deixo então esta missiva
Para todos em geral:
De uma forma criativa
Usem a quadra festiva
P'ra dar uma queca Na tal!

9 de dezembro de 2010

Peça 3: Amizade, álcool e posters revolucionários (ou o amor)


Guião por Sérgio Coutinho. Interpretado por Sérgio, Miguel Rocha e André Figueiredo.

C: Acto 1 - Sobre a amizade
    Meus senhores atenção, meus senhores muita atenção, meus senhores atenção.
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Mandaram-me um modelo de sensibilidade.
B: Excelentíssimo senhor poeta é para si.
A: Ervilhas em vez de palavras nas 4 lanças do garfo. Eu sensível? Eu como modelos de sensibilidade ao pequeno-almoço.
B: E eu, sensível? Eu tinha fotos dela que destruí depois de ler.
A: DELETE.
B: Tinha queixumes nos beicinhos de mel.
A: E gavetinhas com xuxus e quiquiquis nas minhas pestanas longas.
B: DELETE. Embora, tal e qual os Monty Python faça “Nih” ao Delete.
A: Aos quais também faço Super-Delete. Então…
B: …patenteamos o meio sacerdotal de fazer vendavais às Quintas-feiras.
A: Traduzo: Sair à noite para o “Incógnito” com teclas de Delete no coração.
B: Pisei uma mina!
A: Pfff… ainda se fosse um Delete.
B: No Recycle Bin leio uma ata:
A: Trocámos de cama às 5 da manhã, dançámos…
B: …nus, para ver se trocávamos de sonho.
A: Não funcionou mãe. É pois uma pedagogia mística extremamente recente, ainda por limar e tirar a porcaria das orelhas.
B: DELETE
A: Ninguém percebe as ideias dele.
B: As ideias do MASTER DELETE.
A: Porque faz missivas incoerentes sobre coisas vivas.
B: E eu que tenho sentimentos com pernas! Não acreditas Sérgio? Bicos de lacre em vez de dentinhos, e “gostos de tis” nos intervalos dos dedos…
A: Onde me agrada encostar os lábios.
A e B: DELETE
A: Só queremos insucesso nas aulas mistas do DELETE, meu amigo. Pensos rápidos e Kits de viagem. Mas não me leves a mal, sabes bem que há uns que vivem ali connosco, na pantomima dos tímidos canibais.
A e B e C: DELETE

C: Acto 2 - Sobre o álcool
    Meus senhores, meus senhores, meus senhores. O que é isto? Estamos a assistir uma coisa doida, isto é bestial, uma loucura. Meus senhores, tenho lágrimas nos olhos. Meus senhores, meus senhores, isto está-me a saber a manga cortadinha por uma mulata de seios fartos.
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Desaparece doença! Vilão! Íman da má disposição. Senhor Rodrigues, traga-me um copo se faz favor.
B: Ela é uma rapariga com manias, escreve sempre o que faz: comeu um gelado (um corneto de morango), pôs-se a ouvir a rua (ou os seus pensamentos de princesa) e não fez nada disso. Do outro lado da rua vivem dois jovens numa casa alugada. Um é pintor de barcos, o outro está apaixonado pela rapariga – colecciona as suas beatas e tem caixinhas para diferentes tipos de migalhas, que ela deixa enquanto bebe o café pela tardinha fria.
A: Ah! Não tenho nenhum peso na consciência meu senhor, multe-me se quiser. Eu sou uma pessoa séria, mesmo vestido de mulher. Por isso mesmo é que escrevo assim, porque não o sinto. Portanto, não peço ao leitor-pontífico alguma clemência, pois é por si, por si meu senhor, e pela beleza que minto. Mentira ao poder!
B: Sabia minha menina, que há uns bons anos existia o hábito de mandar “toques” pelo telemóvel: em vez de se telefonar ou mandar uma mensagem, telefonava-se a alguém mas desligava-se mal se ouvia o primeiro toque da chamada. Senhor Orlando, traga mais um copo!
A: Ora, compreenda minha menina: “mandar um toque” pode-lhe parecer algo cómico, mas era hábito levado muito a sério, pelas primeiras gerações febris de adolescentes que começaram a utilizar o telemóvel. Significava: “estou a pensar em ti”. Não era só uma forma de contornar o reduzido saldo no telemóvel; um “toque”, incontido, curto, ansioso, encarnava o problema da urgência e limitação da comunicação. Senhor Orlando, traga mais um copo!
B: Ela pairava, por assim dizer, neste bocadinho de lábio. E iniciou um voo, uma espécie de lançamento, que não favorece os joelhos esfolados. Saltou da minha boca, sem medo de cair (vejam bem meus senhores). Saltou da minha cara com covinhas, com rugas de felicidade, para outra, menos bonita de certeza. Porque o bonito sou eu! E agora no meu colo vazio, começo a imaginar palavras feias, sem conseguir navegar para juntos dos reis. Que diz neste rótulo meu amigo?
A: Consegue dissolver todas as palavras feias nesta bebida.
B: Senhor Rodrigues, traga mais um copo porque eu só quero “mandar toques”.
A: Creio num fantasma que desconhecia até aos meus 5 anos. Veio comunicar-me nessa noite, às 6 da manhã, a dúvida, a troça, a comiseração. Não me visitou mais nenhuma vez e tudo o resto foi bruma, invenção, angústia. Foi a espera junto ao cais da miséria.
B: Até que comecei a beber.
A: Antes, o meu corpo perseguia as pequenas coisas, era fanático pelas milimétricas arestas…
B: …era apreciador de mãos, dos certificados para as unhas passíveis de ser amadas, luvas despidas sobre a minha secretária negra…
A: … e meias, esqueces-te das meias, as calças tiradas à pressa, o carrossel, o trambolhão. Pernas em vez de tudo, as pernas que não acabei de comer, as pernas que nunca comi. Que bela palavra: trambolhão. Diz tudo. Agora imagine o meu leito, o festival de pormenores, que vão ficar agarrados à minha memória para o resto da minha vida. Eu e ela.
B: Calma minha senhora, eu sou só um.
A: Eu também estou aqui.
B: Queres ir tu agora?
A: Mais logo, manda-lhe um toque por mim.
B: Mil toques!

C: Acto 3 - Sobre posters revolucionários (ou o amor)
    Meus senhores, atenção, atenção, atenção. Estamos a chegar à última parte. Como é possível tanta perfeição? Estou deveras devastado, completamente “sem jeito”. Yeah! Enxotei tudo o que de pedinte existe, estou completamente obcecado por isto: emoção, vontade, projecção e baronesas histéricas. Haverá outro local onde se vende tanta carne e beleza como aqui?
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Que lê Duquesa?
B: Veja na capa.
A: A senhora também lê esse subversivo Dostoiévski? Deixe ver essa página: «Tinha a impressão de que ficaria “para morrer” se alguém soubesse que alimentava semelhantes pensamentos, e quando entraram os seus novos visitantes, estava sinceramente disposto a considerar-se o pior de todos os presentes em termos de moral». Quando era pequenina tinha mais graça…
B. Acha mesmo?
A: Não obstante, deste ângulo, consigo descobrir o plano de criança no seu rosto. Esse bocadinho aí de queixo, esse precipício de lábio, teimosia agarrada ao nariz traquina, é toda uma mala de criança ainda por desfazer. Não olhe para o livro, dê-me atenção por favor…
B: Cala-se e deixe-me ler.
A: Eu posso estar com um problema sério, um afrontamento, uma alucinação, uma febre, um horror. E a menina aí, tijolo sobre tijolo, a inaugurar mais uma experiencia desagradável, solitária, expulsando-me.
B: Cale-se.
A: Oh! Eu sei que a duquesa só finge que lê, a sua leitura é como um passeio para os outros a admirarem sem medos.
B: Ui que horríveis palavras meu primo. Eu sozinha, inocentemente no meu quarto, e o menino primo a vir-me chatear com birrinhas de coitadinho. Que nojo, que nojinho, quando é que se tornou assim?
A: Assim como? Apenas quero falar consigo.
B: Tu não queres conversar, queres atenção. Queres um espelho, e queres também brincar com as palavras, tocar-me nas mãos distraidamente, ao mesmo tempo que me apaparicas, para roçares nos meus braços e pernas, ou pensas que eu não sei?
A: É assim que me vê? Eu que sempre fui adepto da moralidade e dos bons costumes, um parente do impecável, sempre protegendo a minha bonita priminha. É claro que tenho a noção que os meus olhos agora tomam direcções anormais, estou indignado para com eles, embora seja obviamente solidário. Compreendo que desconfiem da velha geografia, agora miram-lhe as ancas, a figura, a delicadeza, tudo desde que deixou de correr pelos corredores para se exibir furtivamente.
B: Agora a culpa é minha? Culpa os teus olhos velhos, venenosos, vérmicos.
A: Não! Rectos, correctíssimos, como as palavras, só que têm uma caligrafia feita de dinamite. Uma caligrafia antiga, desviante, fértil. A menina já tem namorado?
B: Vai-me obrigar a fechar o livro para lhe bater daqui a nada. Não gosto de amar, amei uma vez e só me trouxe desgostos. Agora sem ele o que farei? É claro que só demos as mãos, mais nada.
A: Já dizia o suburbano Miguel Esteves Cardoso: “O mundo é uma conspiração cinzenta de amores em segunda mão”. Uma frase para esconder de bom grado nas orelhinhas das meninas bonitas. A educação, acima de tudo, seja educada menina.
B: Sabe, ontem às quatro da manhã estava sem sono, e passei apenas de camisa de noite junto à sua porta…
A: E o que viu? Não, não, não.
B: Vi tudo o que fez com a cozinheira. E vou fazer queixinhas à mamã.
C: YEAH! [aplausos] Yeah! Yeah! Yeah!
A e B: [entrar em euforia] Bis bis. Uauuu

8 de dezembro de 2010

Do bloco de notas de Rudy O’Mark no dia 8 de Dezembro de dois mil e dez.

            Falávamos sobre o dia de ontem
            E dizíamos coisas simpáticas.
            O que é que são coisas simpáticas?
            Não sei.
            O que é que é o cinema?
            Essa é que é essa.
            É muito difícil explicar isso.
            Ontem de manhã estava um mendigo a olhar para as montras das lojas de roupa junto à rua principal; o mendigo passava, parava, olhava, tirava uma máquina fotográfica do bolso e fotografava-se a si mesmo; já sei o que estão a pensar, fotografava-se com as montras atrás para de noite se poder ver com as roupas que não pode ter, mas deixem-se de antecipações e psicanálises da treta e deixem-me continuar se faz favor: o mendigo não se fotografava com a montra atrás, pelo contrário, usava as montras como espelho, só isso, o que é uma coisa caricata de se ver, um gesto de vaidade muito bonito, sim, bonito, essa palavra, não é uma escolha errada, é completamente de propósito.
            Como é que se sabe o que é o frio dos dias?
            Foi uma pergunta que lhe fiz enquanto segurávamos os cartazes contra a coligação.
            Não me respondeu.
            Ela tinha botas grandes, de borracha.
            Às vezes apetecia-me ter botas grandes, de borracha, para me afundar na neve sem sentir os dedos frios.
            E quando eram cinco da tarde o céu estava azul escuro e estavam umas luzes azuis claras penduradas na rua principal, o primeiro enfeito natalício que vi este ano, muito simples, nada de complicado, uma linha de luzes azuis claras penduradas, uma ponta em cima do Starbucks e outra ponta em cima do Nelli’s, só isso.
            O que é que é o cinema?
            Às vezes durante o dia começo a pensar sobre jantares em que nos sentamos à mesa e ninguém diz nada, zero, um silêncio de jó até que eu começo a contar uma estória, nada de especial, nem sequer tem muita graça ou muita moral, nem a conto de forma especialmente engraçada, abrindo os olhos ou fazendo voz grossa quando as personagens são diferentes, nada disso, conto-a calmamente, e no final da estória alguns acenam com a cabeça e outros não acenam e continuamos todos sem dizer nada mas eu já mandei uma pedra para o meio que eles podem perfeitamente ignorar. Não interessa muito, é só uma ideia para ocupar o tempo. Acho-lhe graça.
            És mais um no meio das coisas.
            Foi assim que acabámos a nossa conversa quando todos se dispersaram.
            A caminho de casa lembrei-me como tudo começou.
            O noticiário está a dizer coisas parvas.
            Disseram-me na rua que havia uma manifestação na quarta-feira.
            Disseram-me na terça-feira que a manifestação ia contar com participantes ilustres e que não se ia desistir até os objectivos serem atingidos.
            Havia uma menina no meio da manifestação que usava um colar de bolas azuis por cima do casaco; pensei que era um sinal de identificação, ou melhor, um símbolo (às vezes esqueço-me que há palavras para as coisas) com um significado comunitário, mas mais ninguém usava um colar de bolas azuis por cima do casaco; se calhar até usavam por baixo mas não mostravam e isso interessou-me: o que significa aquele colar? É uma moda? É uma mensagem? É um capricho?
            O que é o cinema?
            Não posso fugir outra vez.
            Esta é que esta.
            Composição. Título: “O que é o cinema”
            O cinema é uma experiência colectiva que consiste na projecção de imagens sobre um ecrã numa sala escura perante várias pessoas. O cinema também é uma forma de arte. O cinema também é um fenómeno. O cinema também é tema de estudo, mas isso não me interessa porque não tem muita piada. O cinema, enfim, pode ser muitas coisas. Não sei se o cinema pode ser tudo aquilo que nós quisermos. Por exemplo, não sei se o cinema pode ser uma pessoa, ou vice-versa. Se se abrir um livro, um romance ou um poema, e se encontrar a frase “Aquele tipo era um filme do caneco” percebe-se a ideia e até se aprecia o estilo do autor ao construir a frase com aquela expressão. É certeira — ou pode ser, eu não conheço o tipo. Mas é difícil pessoalizar o cinema, porque ele é muito diferente, e tem muitas faces. Por outro lado, o cinema tem tantas faces como o mundo, e nós vivemos no mundo. Mas não somos só nós que vivemos no mundo. Creio que já se deu a entender a complexidade do argumento. O cinema pode ter sentimentos, ser uma carta de amor, ou uma declaração de ódio. O cinema pode ser moralista ou sacana, bruto como às cobras (nota: o autor, ou seja, eu, sabe bem que a expressão normalmente utilizada é “mau como às cobras”, simplesmente se aproveitou da mesma e recriou-a no seu estilo pessoal, arcando sobre as suas costas qualquer género de responsabilidade que lhe possa ser demandada sobre qualquer atentado à língua). Enfim, o cinema pode ser muita coisa.
            Lá fora as pessoas falam.
            Estão a falar muito alto.
            Hoje na manifestação as pessoas também falaram muito alto.
            Ponto número um: “Considerações sobre referências meta-cinematográficas na lógica pós-Bordwelliana da narrativa semiótica”.
            Bom título.
            E agora, o que é que é o cinema?
            O que é que é o quê.
            Hum.
            Ui.
            Hum hum.
            Considerações sobre este tema.
            Como é que era o grito hoje na manifestação?
            A senhora Grace virou-se para mim no final do dia e disse que eu estava a ficar gordo, para eu ter cuidado, que hoje em dia há muitos refrigerantes bons para a dieta, sem muito açúcar, ela tem um livro sobre calorias, quis ser nutricionista, é uma pessoa simpática no fundo a senhora Grace, sabe muita coisa sobre este mundo e é de louvar que alguém com a idade dela, que não é nada avançada mas que mesmo assim é muito maior do que a minha, pelo menos uns quinze anos e isso já é muito, se preocupe em saber mais e mais a cada dia e partilhe com outras pessoas os resultados das suas descobertas. Graças a deus por toda esta glória da senhora Grace.
            O grito era qualquer coisa como isto: “Clegg para a rua, a tua mãe é uma granda puta”. Não. Sim? Sim. Talvez fosse. Havia palavrões e o nome do Clegg. Filho-da-mãe do Clegg. Ele diz que faria tudo outra vez. Será verdade?
            Tenho de escrever isto até amanhã.
            Uma noite inteira.
            Duas mil e quinhentas palavras, duzentos e cinquenta de tolerância.
            Já fiz todas as leituras.
            O que é que é o cinema?
            Não sei. Não faço puto de ideia.
            Já fiz todas as leituras.
            Vou começar pelo primeiro ponto e depois vou para o segundo.
            É assim que as coisas se fazem normalmente, não é?
            Irrita-me esta vida do vale tudo.
            Se calhar gostava que valesse tudo.
            Ou se calhar não, não, não. Não gostava nada. Odiaria.
            “Os efeitos da manifestação desta manhã em Aberdeen foram superiores a tudo aquilo que se tinha previsto. O Governo escocês adiantou que está do lado dos protestantes. Na casa dos comuns ninguém mencionou o evento escocês. Existiu outra manifestação em Edimburgo, que contou com a presença de mil pessoas, sensivelmente. No entanto, no meio das fileiras da associação de estudantes fala-se em falhanço redondo. Corre o rumor de que a direcção, após este revés, planeia demitir-se, por julgar que não tem condições para o cargo. Jovens entrevistados a este respeito dizem que isso seria fugir com o rabo por entre as pernas. Mais desenvolvimentos dentro de momentos.”
            Não percebo como é que se pode viver sem televisão.
            Também não percebo porque é que se quer trocar a televisão pelo computador.
            Não é nada prático. É muito chato.


Por Martinho Lucas Pires

2 de dezembro de 2010

Os gestos - por Martinho

O meu dia
começa
com uma melodia
que tento guardar
para
amanhã
e assim por diante
numa sinfonia
caótica
louca
e cheia

1 de dezembro de 2010

Capa nº3


Por Mariana Gama

Calendário para Dezembro

Dia 1 (Quarta)
– Declaração
– Calendário
– Capa por Mariana Gama

Dia 2 (Quinta) – Poema por Martinho Lucas Pires

Dia 3 (Sexta) – Radio “Tripé Coxo” por Lino, Cajó e Paco
Todas as Sextas-feiras do mês

Dia 5 (Domingo) – Experiências no Diário Gráfico por Sérgio Coutinho
Todos os Domingos

Dia 6 (Segunda) – Fotografia por Ruben Constanço

Dia 7 (Terça) – Bicho por Perrine
Todas as Terças-feiras do mês

Dia 8 (Quarta) – Crónica por Martinho

Dia 9 (Quinta) – Peça 3 por André Figueiredo e Sérgio

Dia 13 (Segunda) – Poema Natalício por João da Ega

Dia 15 (Quarta) – Fotografia por Perrine

Dia 16 (Quinta) – Curta por Martinho

Dia 20 (Segunda) – Exposição por Sérgio

Dia 22 (Quarta) – Música Natalícia por Bora e Mané

Dia 23 (Quinta) – Opinião por Rocha

Dia 27 (Segunda) – Literatura por João da Ega

Dia 30 (Quinta) – Video por Lucas

Declaração de Dezembro: uma experiência saudável

Dezembro - o último mês proposto dos três para testes. Em Janeiro - 2011 - vamos entrar em força, com uma melhor coordenação, virado mais para o público, e com um pouco mais de profissionalismo. Que bonito. Que honra. Que orgulho. Mas isto trata-se sempre de um recreio, é brincadeira e experiências que pretendemos. Criação livre. Olha queres brincar comigo?

Dezembro vai ser um novo mês em cheio.

Atenção para a primeira curta de Martinho Lucas Pires. E para a nova rubrica musical de Bora e Mané.