30 de novembro de 2010

Victory March


Por Mariana Gama

Poisson Pierre


Seixo e Tinta

Por Perrine

Lost in the supermarket



Atrasado por razões académicas, chega-nos agora o segundo filme musical realizado por Lucas Bora-Bora. Este conta com Mané Coutão no papel principal, Bora-Bora na câmara e Clash nos altifalantes. Um agradecimento especial ao Mané pelo seu contributo evidente e ao Pingo Doce pela sua permissividade (não confundir com permissão).

22 de novembro de 2010

Há Conversa - por João da Ega

Nota: Falas de Mustafa Mond (a negrito) retiradas de Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley

- Mustafa, esta geração está perdida. Jovens incapazes de articular uma frase ou de encadear um raciocínio lógico. Seguem as suas vidas ridículas, conformando-se com o que a vida lhes reserva e nada fazendo para mudar a sua situação. A população no futuro, com uma ou outra excepção, vai ser constituída por imbecis.
- A população óptima deve obedecer ao modelo do iceberg: oito nonos abaixo da linha de flutuação, um nono acima da linha.
- Talvez. E sendo a população futura como um iceberg, pode ser que derreta! Vamos ter uma população aguada… Mas será isso óptimo? Como é que os estúpidos, estando em maioria, aceitariam viver abaixo da linha de flutuação? Poderiam ser felizes assim?
- Mais felizes que os de cima!
- Não! Um indivíduo estúpido nada mais pode ambicionar que uma vida estúpida! Uma vida sem qualquer estímulo intelectual! Um emprego monótono e sem qualquer desafio: Horrível!
- Horrível? Mas essa não é a opinião deles. Pelo contrário, agrada-lhes. É leve e de uma simplicidade infantil. Nenhum esforço excessivo, nem para o espírito, nem para os músculos.
- Bah! Cambada de inúteis. A civilização óptima para mim é uma civilização em que, em cada homem, exista um espírito nobre e, em cada gesto, um acto heróico.
- Meu caro amigo, a civilização não tem a menor necessidade de nobreza ou de heroísmo. Essas coisas são sintomas de incapacidade política.
- Porquê?
- Numa sociedade convenientemente organizada, ninguém tem oportunidade de ser nobre ou heróico. É necessário que as coisas se tornem essencialmente instáveis para que semelhante ocasião se possa apresentar.
- Então que a sociedade seja instável! Não quero uma sociedade convenientemente organizada! É um espectáculo deprimente assistir à degradação intelectual das novas gerações. Jovens amorfos, conformados e sem reacção, incapazes de lutar para defender qualquer coisa! Incapazes de se questionar! Incapazes de se inquietar! Não se pode ser verdadeiramente feliz assim.
- É evidente que a estabilidade, como espectáculo, não chega aos calcanhares da instabilidade. O facto de se estar satisfeito não tem nada do encanto mágico de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
- Ora, Mustafá, o que dizes não se escreve!

21 de novembro de 2010

Sobre os números – por Sérgio Coutinho

1 – É o primeiro número, por isso é perfeito, inventou a linha recta;

2 – O segundo ser criado, na Bíblia seria a mulher. Impõe a curva. É um número audaz, não se limita a repetir como o “dois” da numeração romana. O segundo número impõe a sua identidade;

3 – Apesar de repetir a curva, utiliza o conceito do número “dois”, ou seja, repete duas curvas. Não se limita à improvisação na forma, é talvez o primeiro pensador;

4 – É um saudosista, volta è rectidão. Não é um ser extraordinário. Possui três traços, por isso preocupa-se também com a definição do número que o antecede, porém, não oferece nada de novo;

5 – Mistura a curva coma a recta. Mais audaz e corajoso que o quatro, embora se verifique a tendência para a ordem;

6 – Talvez seja o último dos grandes números. Descobre a curva no sentido contrário e propõe a união das duas curvas: o círculo;

7 – Há uma certa revolta neste número. Também uma certa resignação. É um número recto. Um traço com um corte ao meio. É o primeiro declínio.

8 – É o exagero, a excentricidade, a loucura.

9 – Creio que o “nove” volta muito à ideia do um, juntando-lhe aquele círculo que tornou o “seis” famoso. É uma tentativa conseguida, talvez. É um número ético, um tanto austero, embora as más-línguas digam que procriou com as letras (um horror).

0 – É o círculo, o número divino – não existe. É anterior à criação. Assim sendo, o círculo nos outros números aponta para uma busca pelo divino. Neste sentido, o “seis” é o primeiro a proclamar a existência do metafísico. O sete é o primeiro ateu. O “oito” é o número barroco, um sacerdote, um papa, ou um defensor do politeísmo. O “nove” retira o círculo do solo, eleva-o, é um profeta, ou um sedutor.

20 de novembro de 2010

"Os Velhos"



Devia ter saído na Quinta-feira (dia 18), mas não consegui encontrar o intervalo para desenhar. Para dizer a verdade também não sabia como enfrentar a "brincadeira", mas como há que sair da nossa zona de conforto, tinha rabiscar qualquer coisa. Fica este esboço para "Os Velhos", é o que se arranja. (Foi-me mais fácil desenhar o Pedro Lucas que é a "fronha" que vejo mais vezes dos quatro.)

Myspace desses senhores: http://www.myspace.com/osvelhos

Por Sérgio Coutinho

15 de novembro de 2010

"Um dia de praia" por Martinho

          Tristão Morais acorda e resolve escrever uma estória. Acha que é desta: está preparadíssimo e todas as condições exteriores estão a seu favor. Nem demasiada calma, nem demasiada dor. Pega na folha e na caneta, senta-se na sala e abre a janela. Está um belo final de tarde. A estória está na sua cabeça desde há uma carrada de dias, construindo-se aos poucos nos longos momentos de ócio que Tristão ia tendo enquanto a rotina seguia o seu curso. Admite para si mesmo que a forma é estranha, mexe com mudanças de realidade e de tempo, é uma partida ao leitor. Mas acha que já tem idade para construir boas partidas, e por isso segue adiante. O ambiente é solarengo: passa-se tudo num dia de praia. "Dia de praia", pensa Tristão, "é um bom título". Há três personagens — não, há mais, mas estas são as principais. A primeira é um homem chamado D. D é um universitário que acorda de manhã para ir para a praia com os amigos. Os amigos ficaram de chegar a uma certa hora, e D, que não tem conseguido dormir ultimamente, acorda muito antes do combinado. Levanta-se e pratica todos os gestos habituais com uma lentidão premeditada: canta mais do que uma canção no duche, aproveita para fazer a barba, ouve o programa de rádio até ao fim, toma um bom pequeno-almoço. Senta-se na mesa da sala e começa a beber o seu leite com café e a comer as suas estrelitas. Olha sempre em frente, para a mesa, pensando naquilo que o impede de dormir. Mas Tristão pára e passa para a segunda personagem: A. A é uma mulher universitária que acorda de manhã para ir para a praia com o seu namorado. Acorda a tempo, e pratica todos os gestos com calma. Tem cuidado para deixar a cama arrumada. Escolhe um biquini e pensa se deve levar esta ou aquela peça. Quer ir bonita para o namorado, mas não sabe como se decidir. Por fim lá pega em duas peças que acha que ficam bem, ri-se para o espelho como uma menina de dez anos e vai tomar o pequeno-almoço. Come um pão com manteiga e uma chávena de leite quente, e decide não levar nenhum livro para a praia, mas sim um caderno, para o caso de querer escrever. Tristão pára e ouve o ruído da rua: dois miúdos, um deles gordo e com cabelo comprido estão à bulha por causa duma bola que caiu para um quintal. "Deus, por favor, faz com que seja o puto gordo a ir buscar a bola". Mas vão-se os dois embora. Tristão encolhe os ombros e continua a escrever. A terceira personagem chama-se Dd. Tristão acha que lhe vai mudar o nome mais tarde. Dd é um homem que trabalha há dois anos e que está a passar férias com os pais, como faz desde sempre. Contudo, este ano Dd está em baixo, e não lhe apetece nada ir com os pais à praia. Mas como não lhe apetece fazer outra coisa, Dd resigna-se ao seu destino. Pega num livro grande e põe-no na mochila, enquanto a Mãe lhe serve o pequeno-almoço: leite, torradas e sumo de laranja. O pai lê o jornal e Dd vai lendo a parte de trás do mesmo e lembra-se de que fazia o mesmo quando tinha treze anos.
            Tristão volta a parar. "É melhor explanar tudo, para saber até onde é que vão as linhas". Pega noutra folha — tem de ser sempre uma folha, para que se saiba — e escreve o nome dos três personagens com uma linha à frente de cada um. D e A namoravam, mas agora A namora com outro rapaz. D não sabe da notícia, e apetece-lhe estar com A, falar com ela, saber como é que vai a vida. Quem sabe, tentar reiniciar as coisas. D está sozinho, e isso custa-lhe. "Custa a todos, não é?". A, por seu turno, sabe que tem de dizer a D tudo. Não sabe como A vai reagir. Gosta do seu novo namorado. Mas tem de falar com D. Dd é D daqui a uns anos (dois, mais precisamente), vivendo uma catarse sem precedentes e mergulhado numa crise existencial. Vão todos para a mesma praia, mas nunca se encontram. "O truque é fácil: o gajo aparece mais velho com os pais relembrando-se de tudo o que lhe aconteceu naquele dia porque naquele dia — o dia de praia — é que a vida dele se tramou à séria. Se isto fosse um filme teria mais graça, mas não é um filme, é uma estória." Olha para o esquema, sorri, e vai ao frigorífico. Tira a garrafa de coca-cola fresquinha e enche um copo grande e volta para a mesa. Continua a sentir-se preparadíssimo e não quer parar. Pega na outra folha. "Portanto, eles acordam, e agora vão a caminho da praia. Que se lixe, vou escrever como se já estivessem na praia". E escreve. D, A e Dd estão na praia. O primeiro está com três amigos e jogam futebol, mais concretamente ao jogo dos passes porque nenhum deles quer correr muito. A está com o namorado na outra ponta da praia. Estão sentados perto da água e trocam alguns carinhos. O namorado beija o ombro de A. "Espera lá, o namorado beija o ombro de A? Isso é uma cena que eu faria, e este gajo não sou eu, não pode ser. Fosgasse, como é que eu faço isto? Hum… Já sei. Ele… Não. Hum… Voltando atrás, para ver se o consigo pensar de trás". O namorado de A vem buscá-la num carro com quatro anos mas que parece que tem dois. O carro tem leitor de cêdês. Ao passar a ponte eles ouvem o disco dos Prefab Sprout, From Langley Park to Memphis. "Não, eu ouviria isso, não com uma miúda mas ouviria isso. Hum… Este gajo tem cara de quem ouve, por exemplo, Editors. Isso, Editors. Portanto um tipo a armar-se ao alternativo. Não, estou a ser mauzinho. Fosgasse. Está bem, ele ouve Animal Collective. Merryweather Post Pavillion. Parece-me bem". A não gosta muito dalgumas canções, e diz-lhe, e ele passa essas canções à frente. Sorriem. Estão de óculos escuros de marca branca. Quanto a Dd, está no meio da praia, com o livro aberto na página dois há uma hora. A mãe bronzeia-se e o pai lê o jornal. "Malta simples". Dd olha para a sua volta mas só se lembra daquele dia, daquele momento. Fecha o livro e deita-se de barriga para baixo na toalha. Tenta dormir. Não consegue. Está com calor, decide ir à água. Entretanto D e A vão trocando mensagens escritas sem saberem que estão ambos na mesma praia. Combinam encontrarem-se no dia seguinte para tomarem café. D fica feliz por isso acontecer, mas não tanto como julgava que ia ficar. Por um instante sente um aperto na barriga, como se algo inevitável tivesse sido posto em marcha. A ri-se, está feito. E beija o namorado, na boca, antes de ir guardar o telemóvel e de irem os dois para a água. Dd anda até não ter pé. Não há muitas ondas no mar — isto é estranho, porque dois anos antes haviam muitas ondas e estava bandeira amarela. Hoje está bandeira verde, pelo menos para Dd. Ouve-se um estalido. "Deus, diz-me que é o puto gordo que vai buscar a bola." Um terceiro rapaz, mais velho, acabou de trepar o muro do quintal e já recuperou a bola.
            A coca-cola está quase no fim. D também vai à água com os amigos. Os amigos riem-se, e D também se ri, como pode. Ainda sente o aperto na barriga. Quanto aos outros, bem, estão felizes, ou pelo menos parecem estar. D pensa se eles estão mesmo felizes ou se fingem bem, e depois pensa como é que as pessoas reagem e vivem com as suas tristezas quando estão com outros. Dd pensa no mesmo enquanto olha, mergulhado até ao pescoço, para os seus pais, a lerem um jornal. Dd queria ser como eles, ou seja, não queria estar sozinho. "Custa, não custa?" Está bandeira verde e Dd lembra-se da bandeira amarela e dele e dos amigos dentro do mar, a mergulharem rápido. Lembra-se de estar de pé e de olhar para o céu e de ver milhares de gaivotas a sobrevoarem-nos, fugindo do mar. A imagem era cinematográfica, e a memória assim ficou. Dd está agora a boiar no mar e olha para o céu mas não passam gaivotas. Entretanto, A vai à água com o seu namorado e é feliz.
            Acaba a coca-cola e Tristão senta-se no sofá. Fica a imaginar como é que Dd sobreviveria depois desse dia, que miúdas é que iria encontrar e com quais é que faria amor, e como é que elas ficariam ou não com ele, porque no fim ele ficaria com alguém. "Vou bazar". Tristão pega nas folhas e dobra-as e abre a gaveta e tira o baú — uma capa preta cheia de folhas dobradas — e guarda-as e fecha a capa. Depois vai até ao quarto e pega no leitor e nos édefones. Coloca-os nos ouvidos, abre a porta e sai de casa. Está uma tarde bonita.

Por Martinho

Luz y Sombra


Por Perrine

11 de novembro de 2010

Peça 2


Peça 2: Guião por Sérgio Coutinho. Interpretada por Sérgio e Mariana Gama.

“Para ela” - Parte I

Estou sentado,
Concentrado em fundir o rabo à cadeira,
Quando sinto um desejo inadiável de cozinhar para ti.
Começo então a temperar os meus braços,
A amassar a minha barriga,
E quando tenho tudo pronto, um manjar razoável,
Não vens.
Fico a tirar a porcaria das unhas.
Enquanto o meu corpo esfria, fumo um dedo ou três,
Até que só me restam os dedos dos pés,
Que dão demasiado trabalho para enrolar.
Não vens mesmo.
Habituei-me a cozinhar para duas pessoas. Cozinhar é sempre estimulante,
Mesmo que vá tudo para o lixo no final. E
Não tenho duvidas que na noite em que decidires
Aterrar na cadeira vazia à minha frente,
Já não irei ter carne a vestir os ossos,
Ou arroz nos cabelos (que guardei de algum casamento entre anorécticos),
Nem a minha saliva irá saber a vinho verde.
Nessa altura, terei que engolir o meu
Orgulho,
Pedir as tuas pernas
Cheias de boa chichinha,
A tua boca a saber a shot, e as tuas orelhas para sobremesa.
Atenção: se te queimar demasiado fujo! E uso
Essa rampa de lançamento das tuas costas,
Pois se me despenhar,
Caio directamente nas tuas incontornáveis nádegas...
Confesso que não me importava de fundir ao teu rabo,
Não é nenhum segredo ou obsessão,
Mas esta cadeira em que fumo o último dedo do pé à tua espera,
Está-se a tornar insuportável.

“Para ele” - Parte II

Pouco me importa que esperes.
Estou farta de respeitar mais o teu sofrimento do que o meu.
Cru problema multidireccional no meu corpo.
Enquanto caminho de gatas pelas paredes – sonho – semeando paladares
De gato.
Não sou eu que faço por outros homens amarem-me. Tu sabes isso.
Sabes que sou moralmente superior a ti, isso atravessa-te,
Dá-te dores no estômago.
Eu conheço-te.
Porém, quem me dera por vezes espreitar para dentro do teu ouvido:
Saber o que pensas,
E latejar sobre essa orelha habituada a ouvir búzios,
Que as meninas costumam esconder no cabelo. Lacinhos e quiquiquis.
Eu sei que és daquele tipo de rapaz que ainda
Acredita que os brincos das mulheres são mágicos: sopram elegantes didascálicas.
Entende uma coisa:
Eu alimento-me para vomitar a minha natural elegância a coisas como tu.
Belisco-te? Não era a minha intenção caro senhor.
Pois fariam certamente feras manifestações pelo mundo se a minha acção roçasse
Levemente a ideia de provocação.
E se num momento decido passar nessa sua calçada, dá graças a qualquer coisa,
Por fazê-lo com primor e primas pernas morenas.
Ouve: Essa forma de ser fica-te tão mal,
Fica-te tão mal…
Não combina com aquele “eu” (Ou será aquele “nós”?).
Parte, eu já parti, porque continuas aí
A vender uma tristeza que não precisas?
Com um piscar de luzes mudo de direcção e
Anti-celebro a minha elegância. Aliás, é o contrário:
Celebro a minha elegância!
Mas se entrasse pela tua porta,
Cada palavra minha não conseguiria arrancar o seu estômago menos verbal,
Menos pudico.
Portanto atraso-me de propósito, fico um pouco mais no carro a ler a história do cinema.
É o equilíbrio feminino: há que empurrar umas arrogânciazinhas para desculpar as ternuras.
Será que vale a pena subir e falar contigo?
Vais deitar-me fora, falar da outra que não te serve, e eu vou ser subtil,
Conseguindo deitar-te ao meu lado.
No final de tudo, um final meio-deixa-andar,
Sei que vais mencionar os raios de sol que bailam debaixo da tua pele,
Para iluminar uma crucificação que fizeste por nós, ainda que erótica,
E da qual não podes sair.
Piedosamente serei a primeira a abandonar a cama.

“Para ela” - Parte III

Estou na rua e deparo-me com um visitante horizontal,
Um pensamento em forma de sombra. Nada muito proverbial.
Ficaste em casa a comer sapatos novos
E eu a adquirir qualquer tristeza urbana, entre o alcatrão molhado e os
Cinzentos de circunstância.
Um automóvel vermelho ruge, lembra-me um coração vaidoso,
Ou uma mágoa mecânica que testa temperamentos num trânsito de regressos
A casa.
Os pensamentos metropolitanos já saíram de moda,
Prefiro os teus lábios a contrastarem com o azul do céu, ou
A tua pele morena com o branco da calçada: são os meus únicos vermelhos de final de tarde.
Seremos pretensiosos quando caminhamos sozinhos? Lavadinhos mas moralmente indecisos.
Uma senhora hesita entre arrumar o carro, ou distribuí-lo em bocadinhos húmidos para os Pombos.
É difícil não é?
Marcha atrás. Imagino-te
A arrumar sapatos: as cores, as formas – parecem animais da Disney –
E tu, pequeno Bambi,
A experimentar vestidos que despes para cima da cama,
Entre brincos, anémonas, colares e algas violetas.
Ensaias mergulhos. Uma pose. Uma hesitação.
Eu abro um pacote novo de cigarros. O barulho do plástico incomoda-me mais que uma buzina.
Sonho contigo.
E tento curar uma ressaca muito vaga, muito antiga, ou apenas sinto saudades de jogar às cartas:
De menino para menina.
Papel e caneta: o amor nasceu para a correspondência, o coração é um selo por lamber.
Nada acontece.
Afias-te em malas de viagem, enquanto eu enfio-me por aí, nas colinas de Lisboa.
Caminhando, a existência dos prédios absolve-me:
Com tantas janelas iguais às tuas,
E histórias como as nossas,
Também tenho direito a mentir.

 “Para ele” - Parte IV

Não falemos sobre amor, não, não, que horror!
Quero descompreender de tudo um pouco. Falar de forma diferente, meio agressiva:
Minha coisinha não me queres lamber os cantos da boca?
Que ordinária.
Podemos ser tão tudo e às vezes esquecemo-nos disso tão totalitariamente.
Que vou vestir hoje? Tudo finge ser igual a ontem. Igual à mesma cidade.
A este cansaço de estar aqui.
As minhas pernas naquela noite tremiam, com uma intrínseca e triste fricção com a alma.
Sobre a paixão que tenho eu a dizer?
Tenho vontade daquela que se entrevistava na sala de aula, aquela feita de olhares,
Que ora telefonam, ora minguam pupilarmente de medo e não respondem ao outro lado da linha:
Quem é? Quem é? Estou…
Paixão de disciplina de Português:
90 Minutos a admirar o mesmo quadrante daquele rapaz loiro,
Decorando, ensaiando, na tormentosa folia,
Tentativas ausentes no dicionário de estudante, de sentir de forma correcta.
Sim é isso mesmo, porque aí o coração trabalha sobre tábua rasa.
Aí, na disciplina de Português.
No final do dia, é essa matemática estranha que me leva a escrever um email assim:
Daqueles em que não vou dizer nada. Ponto final.
Nunca devia existir uma primeira vez,
Ou todas seriam a próxima, ou a segunda,
Deixando para último lugar a primeira.
Caso isto seja demasiado complicado, voltemos então à definição de paixão
Que é
Quimicamente mais simples.
Paixão infantil: eu quero mãe, eu quero.
Birra, espernear no chão,
Pedir a pés juntos, juntinhos, colados: eu quero!
Pedir agora a pé coxinho, a fazer a espargata, o pino, a ponte.
Olha para mim… Olhas?
O último a olhar é um pé de salsa.
E depois dizer:
O último a deixar de olhar é um pé de salsa.
Brinquedo-dor-alucinação ainda no bolsinho de trás das minhas calças.
Coração.
Afinal de contas,
Também tenho direito a mentir.

4 de novembro de 2010

Tentativa de perdão aos Domingos

Acordo, é de manhã
(quando se acorda é sempre de manhã)
o relógio dá as doze, dói-me a cabeça
e prevê-se uma ligeira dor de garganta.
Pormenores.
Levanto-me e vou à cozinha onde bebo
uma infusão fácil de preparar.
Há tempo, por isso mesmo
é que me despacho de novo para o quarto
e me sento à secretária.
Quando acordei batia o sol
agora já há nuvens
sei que mais tarde vai voltar o sol, e depois nuvens
e depois é noite.
O melhor tempo
— podemos sempre contar com isso.
Escrevo uma ideia que me ocorreu instantes antes de acordar
uma forma viva, escrita com o ímpeto da construção
necessária, imediata e natural.
Uma boa ideia
directa, solta.
Quando acabo leio sobre o país
vejo se lá faz sol
mas não sinto saudades, pelo menos por agora.
As pessoas vão bem
evito ver certas fotografias, pelo menos por agora
é de manhã e não quero chatices comigo mesmo.
Volto à cozinha e trago pão
ponho um disco a tocar e os édefones nos ouvidos.
A casa está em silêncio
as pessoas preparam-se para sair, ou então já saíram e já voltaram
e não querem sair outra vez.
Calma, é a palavra que faltava
enquanto como vou tratando de pequenos recados
burocracias dos dias úteis
e entre tarefas vão me caindo frases
ordeno algumas, escrevo um poema pequeno.
Sou péssimo a dar títulos.
Chamo-lhe "Primeiro" e deixo-o o estar
não é importante.
As horas passam
o sol sempre veio
as nuvens voltaram
e resisto a ler para falar com as pessoas do meu querido sul europeu.
Está tudo bem, Setembro ainda não acabou
nada pode começar ou ser destruído
são estas as regras.
Sento-me no sofá com o livro e abro-o
o personagem anda à deriva de si mesmo
o escritor fá-lo muito bem, torna-o real
e estranho
que é o que é preciso.
Toda a gente diria que é um louco
eu digo que é uma pessoa
igual a toda a gente.
Vou tomar banho
encho a banheira de água quente e deito-me
vejo a água a fumegar
a pele imersa, uma sensação confortável
lavo-me bem
e só quando vejo que as mãos parecem as escamas dum peixe é que puxo a tampa
e sinto a água a deixar-me.
Visto uma camisa e ponho um crachá
o meu corpo quente fumega
há que aproveitar.
Na cozinha sou interpelado com uma maçã na mão
faço uso dum humor cru
no limite do aceitável.
Pego no cachecol e saio
desço Abbey Hill e subo o Royal Mile
vejo poucas pessoas a subir Holyrood
o vento bate de leve
já é tarde, a noite espera a sua vez
e o dia sente-se ganho.

Por Martinho

1 de novembro de 2010

Capa nº2


Por Pedro Lucas

Calendário de Novembro

 
Dia 1 (Segunda) – Declaração
Dia 1 (Segunda) – Calendário
Dia 1 (Segunda) – Capa por Pedro Lucas

Dia 2 (Terça) – Bicho por Perrine
Todas as terças-feiras do mês de Novembro

Dia 3 (Quarta) – BD: argumento de Pedro Lopes e desenho de Sérgio Coutinho
Todas as quartas-feiras do mês de Novembro

Dia 4 (Quinta) – Poema de Martinho Lucas Pires

Dia 5 (Sexta) – Radio “Tripé Coxo” por Cajó, Lino e Paco
Todas as sextas-feiras do mês de Novembro

Dia 7 (Domingo) – Escultura por Sérgio
Dia 8 (Segunda) – Fotografia por Ruben Constanço

 Dia 11 (Quinta) – Peça por Sérgio e Mariana Gama

Dia 14 (Domingo) – Fotografia por Perrine
Dia 15 (Segunda) – Crónica de Martinho

Dia 18 (Quinta) – Ilustração para a banda “Os Velhos” por Sérgio

Dia 21 (Domingo) – Opinião por Sérgio
Dia 22 (Segunda) – Literatura por João da Ega

Dia 25 (Quinta) – Video por Lucas e Sérgio

Dia 29 (Segunda) – Entertainment por Simebag e Monsieur Betencourt
Dia 30 (Terça) – Colagem por Mariana Gama

Declaração de Novembro: Sobre brincar

Aos poucos e poucos cresce a vontade de brincar.

Lembro-me quando em pequenino punha os brinquedos todos em pé, ansiosos, em equilíbrio, dispersos segundo uma ordem harmoniosa ou gentil, e depois… depois de tudo, esquecia-me de brincar.

Tentámos brincar a passinhos no primeiro mês, desta vez decidimos abrir um pouco mais a caixa, começar novos jogos, convidar outros meninos. Bichos. Queres brincar?

Queixando-me a um amigo que devia abandonar as minhas obrigações para apenas brincar por aqui, ele respondeu-me que o recreio só faz sentido quando trabalhamos muito. Só depois de muita atenção à Professora de Português é que dá gozo jogar à bola.

Elogio então o calendário que nos obriga a brincar a horas.


Optámos por apresentar um calendário mais ambicioso. Destaco as novas entradas:

- Tripé Coxo, primeira programa de rádio opinioso com Cajó, Lino e Paco;

- Enteinement, uma dobragem inédita por Simebag e Monsieur Betencourt;

- Colagem, por Mariana Gama.