9 de dezembro de 2010

Peça 3: Amizade, álcool e posters revolucionários (ou o amor)


Guião por Sérgio Coutinho. Interpretado por Sérgio, Miguel Rocha e André Figueiredo.

C: Acto 1 - Sobre a amizade
    Meus senhores atenção, meus senhores muita atenção, meus senhores atenção.
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Mandaram-me um modelo de sensibilidade.
B: Excelentíssimo senhor poeta é para si.
A: Ervilhas em vez de palavras nas 4 lanças do garfo. Eu sensível? Eu como modelos de sensibilidade ao pequeno-almoço.
B: E eu, sensível? Eu tinha fotos dela que destruí depois de ler.
A: DELETE.
B: Tinha queixumes nos beicinhos de mel.
A: E gavetinhas com xuxus e quiquiquis nas minhas pestanas longas.
B: DELETE. Embora, tal e qual os Monty Python faça “Nih” ao Delete.
A: Aos quais também faço Super-Delete. Então…
B: …patenteamos o meio sacerdotal de fazer vendavais às Quintas-feiras.
A: Traduzo: Sair à noite para o “Incógnito” com teclas de Delete no coração.
B: Pisei uma mina!
A: Pfff… ainda se fosse um Delete.
B: No Recycle Bin leio uma ata:
A: Trocámos de cama às 5 da manhã, dançámos…
B: …nus, para ver se trocávamos de sonho.
A: Não funcionou mãe. É pois uma pedagogia mística extremamente recente, ainda por limar e tirar a porcaria das orelhas.
B: DELETE
A: Ninguém percebe as ideias dele.
B: As ideias do MASTER DELETE.
A: Porque faz missivas incoerentes sobre coisas vivas.
B: E eu que tenho sentimentos com pernas! Não acreditas Sérgio? Bicos de lacre em vez de dentinhos, e “gostos de tis” nos intervalos dos dedos…
A: Onde me agrada encostar os lábios.
A e B: DELETE
A: Só queremos insucesso nas aulas mistas do DELETE, meu amigo. Pensos rápidos e Kits de viagem. Mas não me leves a mal, sabes bem que há uns que vivem ali connosco, na pantomima dos tímidos canibais.
A e B e C: DELETE

C: Acto 2 - Sobre o álcool
    Meus senhores, meus senhores, meus senhores. O que é isto? Estamos a assistir uma coisa doida, isto é bestial, uma loucura. Meus senhores, tenho lágrimas nos olhos. Meus senhores, meus senhores, isto está-me a saber a manga cortadinha por uma mulata de seios fartos.
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Desaparece doença! Vilão! Íman da má disposição. Senhor Rodrigues, traga-me um copo se faz favor.
B: Ela é uma rapariga com manias, escreve sempre o que faz: comeu um gelado (um corneto de morango), pôs-se a ouvir a rua (ou os seus pensamentos de princesa) e não fez nada disso. Do outro lado da rua vivem dois jovens numa casa alugada. Um é pintor de barcos, o outro está apaixonado pela rapariga – colecciona as suas beatas e tem caixinhas para diferentes tipos de migalhas, que ela deixa enquanto bebe o café pela tardinha fria.
A: Ah! Não tenho nenhum peso na consciência meu senhor, multe-me se quiser. Eu sou uma pessoa séria, mesmo vestido de mulher. Por isso mesmo é que escrevo assim, porque não o sinto. Portanto, não peço ao leitor-pontífico alguma clemência, pois é por si, por si meu senhor, e pela beleza que minto. Mentira ao poder!
B: Sabia minha menina, que há uns bons anos existia o hábito de mandar “toques” pelo telemóvel: em vez de se telefonar ou mandar uma mensagem, telefonava-se a alguém mas desligava-se mal se ouvia o primeiro toque da chamada. Senhor Orlando, traga mais um copo!
A: Ora, compreenda minha menina: “mandar um toque” pode-lhe parecer algo cómico, mas era hábito levado muito a sério, pelas primeiras gerações febris de adolescentes que começaram a utilizar o telemóvel. Significava: “estou a pensar em ti”. Não era só uma forma de contornar o reduzido saldo no telemóvel; um “toque”, incontido, curto, ansioso, encarnava o problema da urgência e limitação da comunicação. Senhor Orlando, traga mais um copo!
B: Ela pairava, por assim dizer, neste bocadinho de lábio. E iniciou um voo, uma espécie de lançamento, que não favorece os joelhos esfolados. Saltou da minha boca, sem medo de cair (vejam bem meus senhores). Saltou da minha cara com covinhas, com rugas de felicidade, para outra, menos bonita de certeza. Porque o bonito sou eu! E agora no meu colo vazio, começo a imaginar palavras feias, sem conseguir navegar para juntos dos reis. Que diz neste rótulo meu amigo?
A: Consegue dissolver todas as palavras feias nesta bebida.
B: Senhor Rodrigues, traga mais um copo porque eu só quero “mandar toques”.
A: Creio num fantasma que desconhecia até aos meus 5 anos. Veio comunicar-me nessa noite, às 6 da manhã, a dúvida, a troça, a comiseração. Não me visitou mais nenhuma vez e tudo o resto foi bruma, invenção, angústia. Foi a espera junto ao cais da miséria.
B: Até que comecei a beber.
A: Antes, o meu corpo perseguia as pequenas coisas, era fanático pelas milimétricas arestas…
B: …era apreciador de mãos, dos certificados para as unhas passíveis de ser amadas, luvas despidas sobre a minha secretária negra…
A: … e meias, esqueces-te das meias, as calças tiradas à pressa, o carrossel, o trambolhão. Pernas em vez de tudo, as pernas que não acabei de comer, as pernas que nunca comi. Que bela palavra: trambolhão. Diz tudo. Agora imagine o meu leito, o festival de pormenores, que vão ficar agarrados à minha memória para o resto da minha vida. Eu e ela.
B: Calma minha senhora, eu sou só um.
A: Eu também estou aqui.
B: Queres ir tu agora?
A: Mais logo, manda-lhe um toque por mim.
B: Mil toques!

C: Acto 3 - Sobre posters revolucionários (ou o amor)
    Meus senhores, atenção, atenção, atenção. Estamos a chegar à última parte. Como é possível tanta perfeição? Estou deveras devastado, completamente “sem jeito”. Yeah! Enxotei tudo o que de pedinte existe, estou completamente obcecado por isto: emoção, vontade, projecção e baronesas histéricas. Haverá outro local onde se vende tanta carne e beleza como aqui?
    Meus senhores, estes são os MAIORES do mundo!

A: Que lê Duquesa?
B: Veja na capa.
A: A senhora também lê esse subversivo Dostoiévski? Deixe ver essa página: «Tinha a impressão de que ficaria “para morrer” se alguém soubesse que alimentava semelhantes pensamentos, e quando entraram os seus novos visitantes, estava sinceramente disposto a considerar-se o pior de todos os presentes em termos de moral». Quando era pequenina tinha mais graça…
B. Acha mesmo?
A: Não obstante, deste ângulo, consigo descobrir o plano de criança no seu rosto. Esse bocadinho aí de queixo, esse precipício de lábio, teimosia agarrada ao nariz traquina, é toda uma mala de criança ainda por desfazer. Não olhe para o livro, dê-me atenção por favor…
B: Cala-se e deixe-me ler.
A: Eu posso estar com um problema sério, um afrontamento, uma alucinação, uma febre, um horror. E a menina aí, tijolo sobre tijolo, a inaugurar mais uma experiencia desagradável, solitária, expulsando-me.
B: Cale-se.
A: Oh! Eu sei que a duquesa só finge que lê, a sua leitura é como um passeio para os outros a admirarem sem medos.
B: Ui que horríveis palavras meu primo. Eu sozinha, inocentemente no meu quarto, e o menino primo a vir-me chatear com birrinhas de coitadinho. Que nojo, que nojinho, quando é que se tornou assim?
A: Assim como? Apenas quero falar consigo.
B: Tu não queres conversar, queres atenção. Queres um espelho, e queres também brincar com as palavras, tocar-me nas mãos distraidamente, ao mesmo tempo que me apaparicas, para roçares nos meus braços e pernas, ou pensas que eu não sei?
A: É assim que me vê? Eu que sempre fui adepto da moralidade e dos bons costumes, um parente do impecável, sempre protegendo a minha bonita priminha. É claro que tenho a noção que os meus olhos agora tomam direcções anormais, estou indignado para com eles, embora seja obviamente solidário. Compreendo que desconfiem da velha geografia, agora miram-lhe as ancas, a figura, a delicadeza, tudo desde que deixou de correr pelos corredores para se exibir furtivamente.
B: Agora a culpa é minha? Culpa os teus olhos velhos, venenosos, vérmicos.
A: Não! Rectos, correctíssimos, como as palavras, só que têm uma caligrafia feita de dinamite. Uma caligrafia antiga, desviante, fértil. A menina já tem namorado?
B: Vai-me obrigar a fechar o livro para lhe bater daqui a nada. Não gosto de amar, amei uma vez e só me trouxe desgostos. Agora sem ele o que farei? É claro que só demos as mãos, mais nada.
A: Já dizia o suburbano Miguel Esteves Cardoso: “O mundo é uma conspiração cinzenta de amores em segunda mão”. Uma frase para esconder de bom grado nas orelhinhas das meninas bonitas. A educação, acima de tudo, seja educada menina.
B: Sabe, ontem às quatro da manhã estava sem sono, e passei apenas de camisa de noite junto à sua porta…
A: E o que viu? Não, não, não.
B: Vi tudo o que fez com a cozinheira. E vou fazer queixinhas à mamã.
C: YEAH! [aplausos] Yeah! Yeah! Yeah!
A e B: [entrar em euforia] Bis bis. Uauuu

3 comentários:

  1. Estes são, de facto, os maiores do mundo!
    duquesa és muito boaa.

    Cátia

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  2. Manga cortadinha por uma mulata de seios fartos.
    Sérgio é a mim que te referes?
    Fernanda

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  3. Educação acima de tudo! Seja educada menina.

    Sérgio

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