16 de fevereiro de 2011

‘Parque Urbano no campo Grande’ ou ‘Oportunidades’ - Por Miguel Rocha

  Tive há pouco tempo a oportunidade de rever um livro sobre a Lisboa de Ressano Garcia (entre 1874 e 1911) no qual um dos planos coordenados por este urbanista (Plano Geral de melhoramentos da capital, 1903-1904) propõe um grande Parque Urbano, na zona do Campo Grande. A implantação da República e a morte de Ressano Garcia (em 1911) são as prováveis causas para este Plano (uma espécie de ‘upgrade’ do Plano das Avenidas Novas, de 1888) nunca ter sido executado. Só a partir dos anos 30, por impulso do engenheiro Duarte Pacheco, algumas das ideias desse plano começaram a ser adotadas, adaptadas e postas em prática. A área prevista para implantar o Parque Urbano foi ocupada pela cidade universitária com o seu estádio e o hipódromo do campo Grande.
  Com este desfecho perdeu-se a oportunidade de termos um grande Parque Urbano (nas figuras dá para entender a dimensão do parque proposto por comparação com o Parque Eduardo VII) numa zona que tendo sido de expansão durante o século XIX e início do século XX, é hoje uma das mais centrais de Lisboa.

  Como este projeto existem inúmeros casos em Lisboa de grandes planos e projetos que por motivos diversos não saem do papel ou são parcialmente executados ou acabam por ser versões adaptadas e coxas de ideias de grande impacto. Temos casos destes que já veem de há séculos atrás, como o Palácio Nacional da Ajuda, ou outros casos mais recentes como o Plano da Costa do Sol, os diversos planos para a Costa de Caparica ou o novo aeroporto. Nos últimos 30 anos esta lista aumenta e qualquer projeto que implique uma solução menos ortodoxa, de grande impacto provoca logo apaixonada discussão e movimentos contra a sua construção. Polémicas como a das Amoreiras, Centro Cultural de Belém, terminal de contentores, túnel do Marquês e as suscitadas sempre que se propõe um arranha-céus mostram uma resistência (será mesmo medo?) visceral à mudança que na verdade traduz uma cultura de participação pobre.
  Limitar o nosso papel na construção coletiva da nossa cidade a dizer não a qualquer iniciativa arrojada e com capacidade de a transformar é um exercício democrático pobre, infantil e principalmente perigoso. Se continuarmos a seguir este caminho fácil não tardará o dia em que alguém diga que se o poder democrático só serve para impedir que se faça em vez de servir para fazer, então não serve para nada. A nossa democracia atingiu uma maturidade que não pode permitir que estes grandes planos e projetos continuem a ser exclusivamente fruto da iniciativa e teimosia de personagens, como o Marquês de Pombal, Ressano Garcia, Duarte Pacheco, com uma aura autocrática e normalmente apoiados por regimes não democráticos.  
  Não estou a dizer que sou a favor dos projetos que enunciei e que temos de fazer todos os projetos mais ou menos megalómanos que aparecem por ai. Sinceramente, não tenho opinião formada acerca de muitos deles, uma vez que também os media não contribuem para uma discussão muito séria deste tipo de casos, preferindo alimentar polémicas e as pequenas tensões políticas que elas envolvem a informar o grande público sobre o objeto de discussão propriamente dito.
  A grande vantagem que temos, nos dias que correm, é que cada vez dependemos menos dos media. Qualquer um de nós pode informar-se, consultar 3, 4, 1000 fontes diferentes, de diferentes espectros, tirar as nossas próprias conclusões e ter a nossa posição sobre determinado assunto. Só assim podemos participar de uma forma honesta e inteligente na construção de uma cidade e sociedade mais competitiva e desenvolvida.
  Quando voltamos de Nova Iorque ou Madrid, fascinados com o Central Park ou com o Parque do Retiro devemos lembrar-nos de que também nós tivemos oportunidade de ter algo semelhante em Lisboa, e que está na nossa mão aproveitar oportunidades como a que perdemos no caso do Parque Urbano do Campo Grande.
Bibliografia: ‘Lisboa de Frederico Ressano Garcia 1874-1909’, direção de Raquel Henriques da Silva, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian com apoio da Câmara Municipal de Lisboa, maio/abril de 1989.

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