24 de maio de 2011

IV - Poema curto: "4 vezes"

Sentaram-se ontem 4 heterónimos
do Pessoa a jogar às cartas na minha mesa.
Um ganhou.
Como se sentiu o ortónimo? Triste
porque não jogou, e como eu
ficou a assistir à derrota de não
jogar
ou não sentir. Os
amuadinhos dos sensíveis na tabuada dos sentimentos,
aberturas fáceis, variedades de iluminações,
um pescoço admirável de mulher,
todas as distâncias omnívoras.
Escrevi, escrevi, como quem baralha e
distribui cartas, talheres, desejos.
Beijei 4 vezes o papel onde escrevo,
acreditei que também o beijarias
4, 4, 4, 4 vezes.
Tudo aquilo que valia a pena pensar
perdia a importância, a mobilidade, o assombro.
Os meus lábios no papel, só isso basta.
Ler é exagerar, escrever é conter.
Há apenas 4 ilhas para povoar neste papel.


Por Sérgio Coutinho

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