4 de novembro de 2010

Tentativa de perdão aos Domingos

Acordo, é de manhã
(quando se acorda é sempre de manhã)
o relógio dá as doze, dói-me a cabeça
e prevê-se uma ligeira dor de garganta.
Pormenores.
Levanto-me e vou à cozinha onde bebo
uma infusão fácil de preparar.
Há tempo, por isso mesmo
é que me despacho de novo para o quarto
e me sento à secretária.
Quando acordei batia o sol
agora já há nuvens
sei que mais tarde vai voltar o sol, e depois nuvens
e depois é noite.
O melhor tempo
— podemos sempre contar com isso.
Escrevo uma ideia que me ocorreu instantes antes de acordar
uma forma viva, escrita com o ímpeto da construção
necessária, imediata e natural.
Uma boa ideia
directa, solta.
Quando acabo leio sobre o país
vejo se lá faz sol
mas não sinto saudades, pelo menos por agora.
As pessoas vão bem
evito ver certas fotografias, pelo menos por agora
é de manhã e não quero chatices comigo mesmo.
Volto à cozinha e trago pão
ponho um disco a tocar e os édefones nos ouvidos.
A casa está em silêncio
as pessoas preparam-se para sair, ou então já saíram e já voltaram
e não querem sair outra vez.
Calma, é a palavra que faltava
enquanto como vou tratando de pequenos recados
burocracias dos dias úteis
e entre tarefas vão me caindo frases
ordeno algumas, escrevo um poema pequeno.
Sou péssimo a dar títulos.
Chamo-lhe "Primeiro" e deixo-o o estar
não é importante.
As horas passam
o sol sempre veio
as nuvens voltaram
e resisto a ler para falar com as pessoas do meu querido sul europeu.
Está tudo bem, Setembro ainda não acabou
nada pode começar ou ser destruído
são estas as regras.
Sento-me no sofá com o livro e abro-o
o personagem anda à deriva de si mesmo
o escritor fá-lo muito bem, torna-o real
e estranho
que é o que é preciso.
Toda a gente diria que é um louco
eu digo que é uma pessoa
igual a toda a gente.
Vou tomar banho
encho a banheira de água quente e deito-me
vejo a água a fumegar
a pele imersa, uma sensação confortável
lavo-me bem
e só quando vejo que as mãos parecem as escamas dum peixe é que puxo a tampa
e sinto a água a deixar-me.
Visto uma camisa e ponho um crachá
o meu corpo quente fumega
há que aproveitar.
Na cozinha sou interpelado com uma maçã na mão
faço uso dum humor cru
no limite do aceitável.
Pego no cachecol e saio
desço Abbey Hill e subo o Royal Mile
vejo poucas pessoas a subir Holyrood
o vento bate de leve
já é tarde, a noite espera a sua vez
e o dia sente-se ganho.

Por Martinho

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